terça-feira, 25 de junho de 2013

Periferia, medicina, corte de classe.


Sou morador de Guarulhos há 23 anos e 7 meses. Em números relativos é a minha vida inteira. Em números absolutos é quase um quarto de século. É bastante tempo.
Foi tempo suficiente para criar no meu imaginário uma ideia de Guarulhos como sendo a Periferia do Mundo, haja vista a quantidade de horas que já perdi me locomovendo da minha casa para qualquer outro lugar. Na prática, Guarulhos é uma espécie de Periferia da cidade de São Paulo, travestida pelos dados de ser a oitava economia do Brasil.
Hoje em dia esses números da economia da cidade são puxados pelas redes hoteleiras e pelas grandes empresas de logística que se instalaram na cidade que tem o aeroporto Internacional de Cumbica e a Rodovia Presidente Dutra; duas importantes ferramentas para fazer girar a grande roda da economia global: pessoas e mercadorias passam diariamente pela minha cidade.
E entre o meu imaginário e a vista aérea das pessoas e mercadorias que passam por Guarulhos, há uma realidade tão multifacetada e tão complexa, que pouco me atreveria a falar sobre.

Mas sou atrevido.

Conheci o Bairro das Pimentas pela primeira vez em 2000, quando fui com um amigo que havia estudado comigo e tinha se mudado recentemente para lá, em um show do Racionais Mc's. A imagem do show até hoje é marcante para mim, pois eu achava que conhecia Racionais e achava que conhecia periferia.
Até hoje não sei ao certo se eu realmente ouvi que havia “milhares de casas amontoadas, ruas de terra”, que “aquele lugar era um pesadelo periférico”, que havia “vários botecos abertos, e várias escolas vazias”. Talvez eu tivesse pela primeira vez vendo o que minha mente imaginava ao ouvir o CD “Sobrevivendo no Inferno”. Eu já conhecia o bairro das Lavras, Bonsucesso, Soberana, Fortaleza, Cabuçu, Cocaia, etc... Não tenho dúvidas em afirmar que o Bairro das Pimentas tinha situação mais miserável, e com mais problemas estruturais do que todos esses outros bairros que eu citei.
Uma década depois, o bairro das Pimentas é freqüentado por mim diariamente e passo mais horas naquele lugar do que passo na minha casa. Muita coisa mudou, porque de uma forma ou de outra as pessoas passaram a enxergar aquela região, ela finalmente apareceu no mapa e foi ligada com o restante da Cidade, mesmo que pelas vias erradas, sejam elas a Via Dutra ou a via da economia global.

Muita coisa mudou, a começar pelo nome, que hoje em dia é no masculino: bairro dos Pimentas. Mas mudou-se também a estrutura daquela região, que antes nem ônibus tinha e agora possui um terminal urbano bastante completo e tem inúmeras linhas que ligam a região com o restante da Cidade. Também existe um shopping que além de empregar muitos moradores da região, também serve de centro de convivência e entretenimento para jovens que antes só tinham o shopping internacional, que de Guarulhos só tinha a isenção de impostos mesmo. O CEU-Pimentas também foi entregue recentemente e é responsável por promover parte dos incentivos a educação, cultura e lazer. E além disso, tem o campus de Humanas da Unifesp. O que dizer da Unifesp-Pimentas?

A Unifesp certamente contribui para desenvolver inúmeras práticas educacionais, seja através do convênio que tem com a secretaria da educação da Cidade, seja através das iniciativas dos coletivos estudantis organizados. Apesar de ser uma bolha, a Unifesp também tem um papel importante para bairro e ficou claro isso quando houve a grande defesa por parte de parcela da comunidade e por parte de estudantes que se engajaram na luta para que a Universidade não saísse da região.
Por outro lado, dentro dessa mesma luta foi possível observar setores conservadores que se dedicaram fortemente para tirar o campus de lá com discurso que pouco ou nada camuflavam a a vontade de não permanecer naquela região periférica. Grande parte dessa defesa foi feita através do famoso “Dossiê do campus Guarulhos” assinado pelo professor Juvenal, mas que reunia outros defensores na sua causa, que era pouco ou nada fundamentada em argumentos sólidos e era extremamente elitista.
O mesmo discurso elitista é ouvido nos corredores da Vila Clementino, em que todos os setores torcem o nariz para o fato de existir um convênio entre a faculdade de medicina e o Hospital Pimentas, inaugurado na mesma época da Unifesp-Guarulhos, e que previa que o melhor centro de formação de médicos do Brasil atuasse naquele Hospital para promover saúde pública a população daquela região.

Vai lá ouvir qual é a reclamação da população sobre a questão da saúde. “O Hospital tá pronto há muito tempo, mas é tão difícil marcar consulta. Eles dizem que não tem médico”.
Medicina é o curso mais elitista do Brasil. Cursinhos especializados em aprovar estudantes para esse curso superior faturam zilhões de dinheiros na tão famosa indústria do vestibular. Você vai esperar que pessoas tão ricas se desembestem para a periferia da periferia de São Paulo? O máximo que essas pessoas querem de Guarulhos é ser bem tratado no aeroporto e que suas importações cheguem no prazo.
De forma nenhuma afirmo aqui que o único problema da saúde pública no Brasil é essa. Tenho plena certeza de que essa é apenas uma realidade em que há estrutura hospitalar e falta médico. No entanto, há um problema muito maior com relação ao sistema de saúde no Brasil, que é o corte de classes da profissão.

Médicos Cubanos não são a única saída para esse problema, mas não se engane nesse discurso vazio de “falarem outra língua” e “não conhecerem a realidade brasileira”. Eu prefiro um médico que não conheçam perfeitamente a nossa cultura, mas que seja da nossa Classe social.
Sejam bem vindos, médicos cubanos.

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