Temos diversas formas
de escrever. A minha, tende sempre ao impessoal, principalmente desde
que comecei a escrever mais textos acadêmicos. Por um lado é uma
forma de escrever que busca deixar claro que não estou escrevendo a
partir do vazio do meu achismo, e sim tentando me basear em
discussões e reflexões profundas. No fundo, isso deve significar
minha busca interna por uma imparcialidade que não existe; herança
dos tempos de jornalismo.
Hoje vou falar muito o
que penso, por diversos motivos, dentre os quais porque eu não tenho
mais condições de refletir sobre o que está acontecendo e preciso
falar um pouco de mim.
Sinceramente, eu não
tenho ideia de quem lê este blog e as coisas que escrevo. Mas
acredito que os leitores podem estar divididos em dois grupos: quem
me conhece pessoalmente e quem me conhece, digamos, politicamente.
Claro que as duas coisas se entrelaçam e que as companheiras e
companheiros sabem que moro só com a minha mãe, que meu pai foi
embora de casa e que sou bastante sensível. Assim como o outro grupo
não cansa de ver de alguma forma as coisas que penso sobre a vida e
de me chamarem, algumas vezes, de Che Guevara.
Minha família é
formada, basicamente, por imigrantes Italianos. Não consigo ir muito
longe para fazer uma História de Família, porque “casa de
ferreiro, espeto é de pau”. O que sei é que eles vieram para cá
antes das Guerras Mundiais, o que significa que o principal motivo da
imigração foi a recessão econômica Italiana da virada do século
e a campanha de imigração feita pelo Brasil para obter mão de obra
na pós-abolição. Tenho algum receio de que nas origens, minha
família não era de esquerda.
O trabalho da minha
família sempre foi no campo, e os casamentos sempre foram entre os
colonos vizinhos, até que chegamos à minha avó e meu avô.
Durante os anos 1950, apertados pela constante força do latifúndio,
a saída foi comprar um pequeno sítio no norte do Paraná. Lá, só
encontraram ainda mais a força do latifúndio, exercida através dos
imensos juros cobrados pelos Bancos dominados pelos grandes
monocultores para empréstimos que serviam para tentar levantar a
produção, sempre castigada pelas intempéries climáticas. Não
durou muito tempo a resignação e a paciência e o fluxo migratório
levou meus avós e seus filhos para o mundo urbano: Guarulhos, cidade
grudada e moldada por São Paulo. A família veio aos poucos, prática
comum de migração, pois não poderia confiar no imprevisível e
desconhecido da Cidade Grande. Minha mãe chegou em São Paulo em
1968; 8 de Dezembro de 1968. 5 dias depois a Ditadura Militar
promulgava o Ato Institucional N° 5, que ceifou os direitos de
manifestação política contrárias ao governo pelas mais diversas
formas possíveis; prendeu, torturou, matou militantes de esquerda.
Minha mãe, felizmente não foi presa, não foi torturada e não foi
morta. Ninguém da minha família foi. Eles não são de esquerda.
Eu sou. Sou de esquerda
porque acredito, dentre outras coisas, em uma sociedade justa e
igualitária, que não seja pautada pelo Capital, mas sim por
direitos sociais difundidos para toda a população. Sou de esquerda
porque fui aprendendo dia após dia, vendo minha mãe sendo explorada
pelo sistema sócio-econômico e no fim do mês pagar as contas, o
mercado e me explicar que aquele brinquedo tinha que ficar para
depois, porque agora não dava. Minha mãe batalhou muito e foi muito
ajudada pelo resto da família e com isso eu não passei fome, longe
disso. Muitas vezes os brinquedos chegavam, mas eu sempre era
ensinado qual o custo dele. Minha mãe me ensinou a ser de esquerda,
porque sua saúde, seu descanso e suas vontades pessoais foram embora
para que eu pudesse ter as minhas realizadas minhas vontades.
Sou de esquerda porque
cresci me perguntando porque meus amigos que estudavam comigo sofriam
ainda mais que eu. Será que a mãe deles não batalhava tanto quanto
a minha mãe? Fui conhecendo melhor meus amigos e aprendi com a mãe
deles que não é o quanto você se esforça que determina sua
condição sócio-econômica. A mãe deles se esforçava mais do que
a minha, sofria mais do que a minha. Dentre outras coisas, porque
eram Pretas. Sou de esquerda porque foi assim, vendo o racismo
acontecer que eu aprendi a lutar contra ele. Sou de esquerda porque
meus amigos eram parados na rua pelos policiais, e eu nunca era. A
explicação? Eles eram suspeitos pela sua etnia; mas eles eram os
que mais me ajudavam, mais me ensinavam, porque eles eram suspeitos?
Sou de esquerda porque
a esquerda luta contra essa opressão.
O sistema capitalista
elege poucos privilegiados que conseguem alguma ascensão social e
com isso utiliza essa exceção para confirmar a regra que mediante
ao seu esforço pessoal, as pessoas conseguem “vencer na vida”.
Acho que minha família é essa exceção. Há quase 10 anos não
temos nenhum problema financeiro grave. A minha geração foi a
primeira a fazer o ensino regular, alguns fizeram faculdade e eu sou
o primeiro a entrar no ensino superior público. Exceção que o
sistema adoraria fazer com que eu acreditasse que fosse a regra e
seguisse o caminho mais curto, o produto que vende mais e esbravejar
que “o povo é acomodado” e que “é só trabalhar duro que você
consegue”.
Não foi comigo.
Existem vários efeitos colaterais dentro de um sistema. Eu sou um
deles. Agora dedico minha vida à uma causa, à uma luta. E é essa
luta que me fez mudar completamente quem eu sou, que me fez trocar
muita coisa para gastar horas estudando, debatendo, discutindo e
aprendendo.
Não sou melhor do que
ninguém por isso e respeito qualquer tipo de escolha que as pessoas
fazem. Mas eu gostaria de ser respeitado também, dentre outras
coisas porque tenho conteúdo sobre as escolhas que fiz.
E não, de forma alguma
estou me lamentando por não ter histórico de esquerda na minha
família. Como eu disse, o sistema está todo armado para que a luta
da classe trabalhadora seja deslegitimada. A minha escolha pela
Esquerda é para que um dia esse sistema acabe, essa opressão
termine a transformação social aconteça.
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