sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Urgência.

Poucas vezes, quase nunca, interessa o sabor do líquido que bebo, quando bebo. Talvez no calor seja melhor tomar uma cerveja. Talvez no inverno, um cappuccino caia melhor. Mas nunca é linear a relação entre causa e efeito. Ao menos pra mim.

Também não foi linear sentar numa mesa de uma cafeteria, na entrada de um shopping/metro no horário do rush de uma quinta-feira, durante as férias de inverno. Um misto de vontade de beber, vontade de olhar e vontade de conversar foi o que me guiou para lá. Não nessa ordem, é claro. A bebida, como eu disse, pouca importa. Não me lembro o que tomei, pra ser sincero. Conversar era o que importava. Eu e meus fantasmas queríamos discutir as implicações do que o Baummann pensa no livro que acabamos, eu e meus fantasmas, de ler.

Mas não houve o que conversar por muito tempo. O lugar não deixava. O ar parecia ser tão comprimido que era impossível até mesmo respirar, quanto mais colocar em uma seqüência lógico qualquer tipo de argumento ou pensamento. Olhar, foi o que realmente fiz, sentado com meus fantasmas.

Não há nada mais assustador no mundo do que a urgência que vivemos. Nada me deixa tão perplexo quanto passar por entre centenas, milhares de pessoas por dia e não ter a mínima noção de quem elas são, do que querem e para onde vão. A urgência de pessoas andando, correndo, falando, comendo e andando, lendo e andando (!) me assustou tanto, que não consegui nem ao menos tomar o que estava tomando. Acho que derrubei um pouco no pires. Acho que era café com leite.

Essa irracionalidade (para muitos isso é racionalidade) chega ao ponto de, ao pescar um diálogo entre duas mulheres, eu me assustar ao ouvir “você veio fazer o que aqui?” e a outra responder “não queria ficar em casa sem fazer nada, vim no shopping andar”. Ok, não quero que as pessoas sejam iguais a um lunático como eu, e cada um pode ser/ter/fazer o que bem entender. Agora alguém vai ter que me explicar a lógica que tem em ficar dando voltas no shopping, achando que está fazendo alguma coisa e ocupando seu tempo. Isso para mim é muito mais vazio do que ficar “sem fazer nada.”

Nossa cultura não suporta que alguém fique sem fazer nada. Nossa urgência cotidiana não suporta que alguém pare um instante apenas por parar. Apenas para ficar “sem fazer nada”.

Eu devo estar errado, mas esse sou eu.

Sintomático que apenas eu estivesse sentado na mesa daquela cafeteria. Depois de mim, chegou um senhor. Pele escura, cabelos brancos, rareando. Óculos de grau e um sorriso bondoso. Não vi o que pediu. Quando eu me levantei, ele sentou em outra mesa. Antes de levar o copo à boca, olhou em sua volta e depois olhou para mim. Seu cumprimento não me deixou dúvidas. Era Dorian Gray, e eu, seu espelho.


Insultos Agudos! recomenda Jeff Beck - You Never Know