sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A vida e o fim.

Ser poeta é mais que escrever um poema. É viver um.

O mundo não vale o mundo.

As pessoas, as penas, a vida.

Nada se completa no fim,

No meio, nada se encontra

E a vida sem começo, sem meio

Sem fim. Da vida.

Vomitar o tédio, o nojo o ódio

Fazer sofrer o mundo, mundo que nem é tão vasto

Nem para Raimundo, nem para Carlos.

Para os poetas, hoje, a vida é em prosa.

E na vida, não há tempo para um dedo de prosa.

E se a viola chorar?

E se o peito gritar?

Há vida, ainda que vida assim?

Assim é a vida,

Do começo ao meio

E fim.


Insultos Agudos recomenda Zé Brown - Coqueiro do Nordeste

domingo, 30 de outubro de 2011

A autonomia da USP

Lincon Secco é professor livre docênte em História Contemporâne na USP e um dos mais importantes intelectuais "militantes" da atualidade. Ele elaborou este brilhante texto para discutir os acontecimentos da última semana na FFLCH. Segue o texto:

A autonomia da USP

por Lincoln Secco, Livre Docente em História Contemporânea na USP

Não é comum ver livros como armas. Enquanto no dia 27 de outubro de 2011 a imprensa mostrou os alunos da FFLCH da USP como um bando de usuários de drogas em defesa de seus privilégios, nós outros assistimos jovens indignados, mochila nas costas e livros empunhados contra policiais atônitos, armados e sem identificação, num claro gesto de indisciplina perante a lei. Vários alunos gritavam: “Isto aqui é um livro!”.

Curioso que a geração das redes sociais virtuais apresente esta capacidade radical de usar novos e velhos meios para recusar a violação de nossos direitos. No momento em que o conhecimento mais é ameaçado, os livros velhos de papel, encadernados, carimbados pela nossa biblioteca são erguidos contra o arbítrio.
Os policiais que passaram o dia todo da ultima quinta feira revistando alunos na biblioteca e nos pátios, poderiam ter observado no prédio de História e Geografia vários cartazes gigantes dependurados. Eram palavras de ordem. Algumas vetustas. Outras “impossíveis”. Muitas indignadas. E várias poéticas… É assim uma universidade.

A violação da nossa autonomia tem sido justificada pela necessidade de segurança e a imagem da FFLCH manchada pela ação deliberada dos seus inimigos. A Unidade que mais atende os alunos da USP, dotada de cursos bem avaliados até pelos duvidosos critérios de produtividade atuais, é uma massa desordenada de concreto com salas superlotadas e realmente inseguras. Mas ainda assim é a nossa Faculdade!

É inaceitável que um espaço dedicado á reflexão, ao trabalho, à política, às artes e também à recreação de seus jovens estudantes seja ameaçado pela força policial. Uma Universidade tem o dever de levar sua análise crítica ao limite porque é a única que pode fazê-lo. Seus equívocos devem ser corrigidos por ela mesma. Se ela é incapaz disso, não é mais uma universidade.

A USP não está fora da cidade e do país que a sustenta. Precisa sim de um plano de segurança próprio como outras instituições têm. Afinal, ninguém ousaria dizer que os congressistas de Brasília têm privilégios por não serem abordados e revistados por Policiais. A USP conta com entidades estudantis, sindicatos e núcleos que estudam a intolerância, a violência e a própria polícia.

Ela deve ter autonomia sim. Quando Florestan Fernandes foi preso em 1964, ele escreveu uma carta ao Coronel que presidia seu inquérito policial militar explicando-lhe que a maior virtude do militar é a disciplina e a do intelectual é o espírito crítico… Que alguns militares ainda não o saibam, é compreensível. Que dirigentes universitários o ignorem, é desesperador.


O recado é claro e direto; uma instituição que se presta a discutir criticamente o mundo em que vivemos não pode ter sua autonomia massacrada por forças externas. A crítica pede passagem.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Urgência.

Poucas vezes, quase nunca, interessa o sabor do líquido que bebo, quando bebo. Talvez no calor seja melhor tomar uma cerveja. Talvez no inverno, um cappuccino caia melhor. Mas nunca é linear a relação entre causa e efeito. Ao menos pra mim.

Também não foi linear sentar numa mesa de uma cafeteria, na entrada de um shopping/metro no horário do rush de uma quinta-feira, durante as férias de inverno. Um misto de vontade de beber, vontade de olhar e vontade de conversar foi o que me guiou para lá. Não nessa ordem, é claro. A bebida, como eu disse, pouca importa. Não me lembro o que tomei, pra ser sincero. Conversar era o que importava. Eu e meus fantasmas queríamos discutir as implicações do que o Baummann pensa no livro que acabamos, eu e meus fantasmas, de ler.

Mas não houve o que conversar por muito tempo. O lugar não deixava. O ar parecia ser tão comprimido que era impossível até mesmo respirar, quanto mais colocar em uma seqüência lógico qualquer tipo de argumento ou pensamento. Olhar, foi o que realmente fiz, sentado com meus fantasmas.

Não há nada mais assustador no mundo do que a urgência que vivemos. Nada me deixa tão perplexo quanto passar por entre centenas, milhares de pessoas por dia e não ter a mínima noção de quem elas são, do que querem e para onde vão. A urgência de pessoas andando, correndo, falando, comendo e andando, lendo e andando (!) me assustou tanto, que não consegui nem ao menos tomar o que estava tomando. Acho que derrubei um pouco no pires. Acho que era café com leite.

Essa irracionalidade (para muitos isso é racionalidade) chega ao ponto de, ao pescar um diálogo entre duas mulheres, eu me assustar ao ouvir “você veio fazer o que aqui?” e a outra responder “não queria ficar em casa sem fazer nada, vim no shopping andar”. Ok, não quero que as pessoas sejam iguais a um lunático como eu, e cada um pode ser/ter/fazer o que bem entender. Agora alguém vai ter que me explicar a lógica que tem em ficar dando voltas no shopping, achando que está fazendo alguma coisa e ocupando seu tempo. Isso para mim é muito mais vazio do que ficar “sem fazer nada.”

Nossa cultura não suporta que alguém fique sem fazer nada. Nossa urgência cotidiana não suporta que alguém pare um instante apenas por parar. Apenas para ficar “sem fazer nada”.

Eu devo estar errado, mas esse sou eu.

Sintomático que apenas eu estivesse sentado na mesa daquela cafeteria. Depois de mim, chegou um senhor. Pele escura, cabelos brancos, rareando. Óculos de grau e um sorriso bondoso. Não vi o que pediu. Quando eu me levantei, ele sentou em outra mesa. Antes de levar o copo à boca, olhou em sua volta e depois olhou para mim. Seu cumprimento não me deixou dúvidas. Era Dorian Gray, e eu, seu espelho.


Insultos Agudos! recomenda Jeff Beck - You Never Know