No final da década de
1980, jovens que moravam na periferia paulistana elegeram o centro de São Paulo
para servir de palco para encontros voltados para uma manifestação cultural
nova, que envolvia uma dança com movimentos quebradiços, desenvolvidas ao som de
sintetizadores e baterias eletrônicas pré-programadas. A restrição imposta pela
organização que a cidade de São Paulo tomou, excluindo seus habitantes mais
pobres do convívio coletivo, expulsando-os para regiões afastadas do centro da
cidade que não contavam com mobilidade urbana apropriada para seu deslocamento.
O sentimento expresso
pelos jovens que criaram o Rap em São Paulo era de um basta com essa situação
de exclusão social, que não os permitia participar dos acontecimentos do Centro
da cidade. Contra as normas impostas pelos agentes da ordem, enfrentado forte
repressão policial e sofrendo crítica da sociedade influenciada pela mídia,
esses jovens resistiram e seguiram na sua caminhada que levou a consolidação do
Rap paulistano, gênero musical e movimento social extremamente importante para
o cotidiano da população pobre brasileira.
Os ideais de
transformação foram expressos por mais de vinte anos por esses mesmos jovens,
sonhando e lutando por melhores condições de vida, moradia digna e participação
na vida econômica de nosso país. Durante esse tempo, foi possível presenciar a
transformação do espaço público urbano e uma diferente periferização da cidade.
Cresceram os shopping centers, e se tornaram no verdadeiro centro de diversão
que as pessoas procuram, ao passo que os centros urbanos, espaços
verdadeiramente públicos perderam seu valor, seu status e sua importância para
os jovens.
Agora uma nova leva de
jovens marginalizados por nossa sociedade excludente se organiza e busca o “novo
espaço público” para se manifestar, se divertir, confraternizar; sobretudo,
buscam fugir do sentimento devastador de não participação na sociedade: fazem o
“rolezinho”.
Só que agora o espaço
público, se privatizou. Com isso, esse sistema opressor conseguiu
institucionalizar o racismo, e nossa mídia atuante em prol das causas da classe
dominante transmite apenas a reação que milhares de jovens que foram excluídos
historicamente têm ao serem mais uma vez reprimidos na sua tentativa de
participação da sociedade. O sistema se modificou ao ponto de ser mais cruel do
que foi com aqueles jovens que ocuparam o centro histórico de São Paulo no
final da década de 1980.
Por isso eu faço um apelo.
Não se apeguem ao fato de “não é problema nosso”, de questionar sobre o seu “direito
de frequentar o shopping e fazer compras”. Não se enganem com os argumentos de “são
um bando de arruaceiros que querem fazer baderna”. Não me ofendam dizendo que “se
trata de vândalos”.
O shopping Center foi
criado para esconder de você a miséria em que a maior parcela do nosso povo
vive. Dentro dele, você pode participar da festa do consumo sem se preocupar
com nenhum tipo de perigo. É assim que ele foi vendido e você comprou a ideia, se
iludindo ao achar que escondendo a exclusão que o capitalismo causa, tudo
estaria em paz para você.
Pois não está. Nunca
estará em paz, enquanto alguém estiver sofrendo para outro alguém desfrutar de
algum tipo de benefício. Portanto, de todas as questões importantes que esse
novo fato social trouxe, eu destaco o que, para mim, é o mais importante: o
rolezinho trouxe a realidade para dentro do Shopping Center e invadiu o
cotidiano da nossa classe dominante com a realidade que, de variadas formas,
tentou-se esconder. Assim como o Rap fez durante muito tempo, invadindo a sala
de estar da classe média com fatos que fazem parte da realidade cotidiana da
periferia.
Então, um salve para o
rolezinho! E que ele continue, porque todo o mundo tem o direito de encontrar
seu pertencimento na sociedade. E um salve ainda maior, porque vocês continuam
dizendo para os ricos da nossa sociedade que a Periferia Segue Sangrando!