terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"Rolezinhos", segregação espacial e resistência.




No final da década de 1980, jovens que moravam na periferia paulistana elegeram o centro de São Paulo para servir de palco para encontros voltados para uma manifestação cultural nova, que envolvia uma dança com movimentos quebradiços, desenvolvidas ao som de sintetizadores e baterias eletrônicas pré-programadas. A restrição imposta pela organização que a cidade de São Paulo tomou, excluindo seus habitantes mais pobres do convívio coletivo, expulsando-os para regiões afastadas do centro da cidade que não contavam com mobilidade urbana apropriada para seu deslocamento.
O sentimento expresso pelos jovens que criaram o Rap em São Paulo era de um basta com essa situação de exclusão social, que não os permitia participar dos acontecimentos do Centro da cidade. Contra as normas impostas pelos agentes da ordem, enfrentado forte repressão policial e sofrendo crítica da sociedade influenciada pela mídia, esses jovens resistiram e seguiram na sua caminhada que levou a consolidação do Rap paulistano, gênero musical e movimento social extremamente importante para o cotidiano da população pobre brasileira.
Os ideais de transformação foram expressos por mais de vinte anos por esses mesmos jovens, sonhando e lutando por melhores condições de vida, moradia digna e participação na vida econômica de nosso país. Durante esse tempo, foi possível presenciar a transformação do espaço público urbano e uma diferente periferização da cidade. Cresceram os shopping centers, e se tornaram no verdadeiro centro de diversão que as pessoas procuram, ao passo que os centros urbanos, espaços verdadeiramente públicos perderam seu valor, seu status e sua importância para os jovens.
Agora uma nova leva de jovens marginalizados por nossa sociedade excludente se organiza e busca o “novo espaço público” para se manifestar, se divertir, confraternizar; sobretudo, buscam fugir do sentimento devastador de não participação na sociedade: fazem o “rolezinho”.
Só que agora o espaço público, se privatizou. Com isso, esse sistema opressor conseguiu institucionalizar o racismo, e nossa mídia atuante em prol das causas da classe dominante transmite apenas a reação que milhares de jovens que foram excluídos historicamente têm ao serem mais uma vez reprimidos na sua tentativa de participação da sociedade. O sistema se modificou ao ponto de ser mais cruel do que foi com aqueles jovens que ocuparam o centro histórico de São Paulo no final da década de 1980.
Por isso eu faço um apelo. Não se apeguem ao fato de “não é problema nosso”, de questionar sobre o seu “direito de frequentar o shopping e fazer compras”. Não se enganem com os argumentos de “são um bando de arruaceiros que querem fazer baderna”. Não me ofendam dizendo que “se trata de vândalos”.
O shopping Center foi criado para esconder de você a miséria em que a maior parcela do nosso povo vive. Dentro dele, você pode participar da festa do consumo sem se preocupar com nenhum tipo de perigo. É assim que ele foi vendido e você comprou a ideia, se iludindo ao achar que escondendo a exclusão que o capitalismo causa, tudo estaria em paz para você.
Pois não está. Nunca estará em paz, enquanto alguém estiver sofrendo para outro alguém desfrutar de algum tipo de benefício. Portanto, de todas as questões importantes que esse novo fato social trouxe, eu destaco o que, para mim, é o mais importante: o rolezinho trouxe a realidade para dentro do Shopping Center e invadiu o cotidiano da nossa classe dominante com a realidade que, de variadas formas, tentou-se esconder. Assim como o Rap fez durante muito tempo, invadindo a sala de estar da classe média com fatos que fazem parte da realidade cotidiana da periferia.
Então, um salve para o rolezinho! E que ele continue, porque todo o mundo tem o direito de encontrar seu pertencimento na sociedade. E um salve ainda maior, porque vocês continuam dizendo para os ricos da nossa sociedade que a Periferia Segue Sangrando!

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